«O capitalismo tem a pele dura», dizia José Saramago numa entrevista em 2008. A partir de agora as suas palavras são ainda mais nossas. Estas, proferiu-as ele numa altura em que a desmontagem crítica da crise parecia poder abrir uma janela de oportunidade para, finalmente, caírem por terra os mitos em que assentam os princípios neoliberais (eficiência dos mercados, capacidade de auto-regulação do sector financeiro para evitar grandes sobressaltos na economia, dispensabilidade do Estado por parte dos sectores privados, «globalização feliz» e todas as teorias do «fim da história»)
(...) por agora, tudo parece apontar para que os grandes culpados pela crise vão ser os seus grandes beneficiários. Dito de outra forma, esta crise do neoliberalismo está a servir para aprofundar o modelo neoliberal.
Passados os famosos «15 dias que mudaram tudo», e depois de os Estados terem tomado partido, com a ajuda de planos de austeridade assimétricos, eis que ressurgem com energia redobrada, e até com a boa disposição dos aliviados, todos aqueles que nos habituámos a ver nos artigos de opinião e nos comentários televisivos com a mesma conversa mole pré-crise. Lá estão eles a explicar-nos, em tom preferencialmente paternalista e com a convicção de se dirigirem a uma audiência sem memória, sem crescentes dificuldades económicas, que isso de criticar o neoliberalismo, o capital financeiro e a acumulação de rendimentos no topo já passou de moda, que agora o fundamental é ver o que cada um de nós tem de corrigir nos seus próprios comportamentos, domésticos e laborais.
Os problemas essenciais já não são, segundo nos dizem, a regulação, as desigualdades, o desemprego ou a pobreza (...) Não importa nada. É por isso que se atiram, em Portugal, à Constituição, que condensa um contrato social em cujos direitos sociais e laborais não se revêem e, que portanto, só pode estar fora da «realidade» (...) tentam convencer-nos de que «o “modelo europeu” era um modelo utópico, que um acaso histórico produziu». Em bom português, a isto chama‐se virar o bico ao prego". Excertos de um artigo de Sandra Monteiro no último número do Le Monde Diplomatique.
0 Caixa do leitor:
Enviar um comentário